Diário de Ivanete Landim - Streetsboro High School




Não poderia ter oportunidade melhor do que terminar meu estágio em uma escola pública dos Estados Unidos da América, Streetsboro High School, falando sobre nossa Língua Portuguesa. Tive a chance de explorar nosso idioma com os alunos para poder compará-lo com a língua espanhola. Estava na aula da professora Courtney. Um Portunhol, of course, acompanhado de boas doses de Brazilian Culture. Dá para entender e agora mais ainda. Brasil, o único país da America Latina que fala português, não tem segunda língua, mal falamos a língua de nossos vizinhos, e mal falamos o inglês. Tudo bem, eles também não têm segunda língua. Mas tudo isso vira um mero detalhe quando você expõe o fato de sermos um país multicultural, com uma língua capaz de produzir uma variedade de sons que te permite estar ali com o espanhol e ir mais além com o francês ou com o italiano, por exemplo. Durante minha apresentação os alunos ficaram espantados com o fato de eu saber um inglês tão próximo deles. É a nossa língua. De novo vou dizer, quanto mais nos aproximamos de uma outra cultura, nem que seja por um curto período de tempo, mais eu sinto que não há país como o nosso Brasil com um idioma tão rico e precioso. Acho que Clarice Lispector diria o mesmo (audácia Ivanete!). Só o português mesmo para dar tamanha expressividade a alma de Clarice. Em sua biografia há uma referência sobre o que aconteceria a ela se seu pai tivesse escolhido os EUA para viver em vez do Brasil. Não sei se seria a mesma Clarice com essa língua tão econômica e prática. Pois é, quem um dia iria imaginar que eu estaria discutindo Clarice com uma turma de seniors daqui com um conto que é genial: A Menor Mulher do Mundo. OMG! Apresentei nossa escritora e parte de sua obra. Comentei sobre o fato de Clarice ser uma escritora consagrada em nosso país e ter duas de sua biografia escrita por Benjamin Moser, um americano apaixonado por sua obra. Que fala português muito bem, por sinal. Maria Judd, minha host, criou um ambiente delicado, vamos assim dizer, para tratar de Clarice e o conto surpreendeu os alunos que discutiram, levantaram questões importantes sobre, por exemplo, valores humanos, opressão, paixão felicidade do ponto de vista do existencialismo de Sartre!!! Eu me senti a Maior Mulher do Mundo!! Sorry! Este o nível dos alunos daqui de Streetsboro. Eles lêem, têm um pensamento organizado em termos de leitura. E não é qualquer leitura não. Semana passada participei de uma roda de leitura e eles haviam lido A Native Son, livro sobre um garoto negro acusado de um crime. O ponto principal da discussão era a questão racista, da falta de oportunidade que o garoto enfrentou bem como todas as adversidades por ser negro. A maioria lê de dois a três livros por semana. Na sala de aula, eles fazem leitura silenciosa, perguntam, trabalham vocabulário e expressões intrigantes, enfim. São disciplinados em todos os sentidos. Tudo isso conduzido pela genial maestra Mrs. Judd. Maria é uma professora muito atualizada, está há vinte anos em Streetsboro High School, fascinada por autores estrangeiros e de uma sensibilidade e de um bom humor que contagiam seus alunos. Sua sala é repleta de livros, posters, cópias de diferentes atividades e muita idéia. Nossa parceria foi uma ótima combinação. Os alunos têm liberdade para comer, ir à biblioteca , aguardam a vez para falar, são discretos. A escola possui uma emissora de TV, então no final do primeiro período há os announcements, notícias sobre o que acontece na escola em termos de eventos (artes, palestras, jogos). Não há diário escolar. Maria utiliza o computador e comunica por telefone à direção sobre falta de alunos (a sala de aula possui um telephone). Aliás, esse é um problema que quase inexiste na escola: infrequência. Os alunos vêm preparados para a aula munidos de tarefas, leitura prévia, e muito conhecimento, e Maria conduz a aula com apresentações, discussões, dissertações, whatever. As notas são lançadas no computador. Eles não utilizam celular na sala de aula ou similares (iphone, ipad…). As aulas começam às 07h25min e terminam às 2: 25, com meia hora de intervalo às 12h00min. Cada aula dura 45 minutos. A cada troca de período eles têm cinco minutos para descansar, comer, ir ao banheiro. E, vou falar, esses cinco minutos fazem uma diferença grande. Eles respeitam o horário, não há tumulto para sair, organizam-se para guardar o material nos armários, muitos deles vão de ônibus para casa, mas grande parte tem carro. Aos 16 anos eles já podem dirigir. Não há uniformes, mas como eles jogam, têm ensaios das cheerleaders, há camisetas, moletons, bonés da escola, mas não há exigência nenhuma, só há restrição quanto ao uso de calça jeans por parte do professor. Há simulações de como se prevenir contra tornados, atiradores, incêndios. Dá uma sensação estranha porque os alunos obedecem e saem em silêncio absoluto. No Middle School (Ensino Fundamental) , por exemplo, a simulação contra atiradores foi tal e qual e cada um procurou um lugar para se seconder! O “melhor prevenir do que remediar” não é bem a filosofia. Mas como prevenir? Assusta, tamanha veracidade da simulação.

Durante meu internship eu dei uma de teacher. Aqui na América. Apresentação do meu Brasil, da minha terra da garoa, São Paulo (surpresos ao saber que faz frio no Brasil!), e da Nova Campina com sua cultura, música, povo e, claro, a poesia. Primeiro com nosso Carlos Drummond de Andrade e seu famoso poema In the “Middle of the Road” (No Meio do Caminho). Claro qual não faltaram as pedras. O International Women’ s Day, com um documentário sobre a Lei Maria da Penha e nossa música “Chorando se foi” só para comparar com aquele hit da Jennifer Lopez , Dance on the Floor, e nossa incrível Clarice Lispector com depoimento do quase brasileiro Benjamin Moser (feliz professora Letícia?). Em outras salas de aula das quais pude participar e dar aula, falei sobre nossa Amazônia com a ajuda de uma professora de ciências incrível e bem-humorada, Amanda Hudnall. Nas aulas de espanhol fiz um paralelo entre português e o espanhol com as professoras Courtney Rugabber e Britaney Kidd. Além de falar sobre nosso carnaval, nosso futebol, Copa do Mundo e Olimpíadas , comentei sobre o fato da língua inglesa ter um papel importante durante esses dois grandes eventos. Alguns deles conhecem Pelé, Ronaldo, Kaká e têm uma grande curiosidade pelo nosso futebol. O interessante nessas aulas de espanhol e que eles não têm grande domínio da língua. Dei aula de espanhol com português usando o inglês. Recebi elogios da professora Britaney pela minha habilidade em conduzir a aula. Falei da nossa economia, do fato do Brasil ter uma mulher na presidência, do nosso etanol, da Amazônia… Perguntas frequentes: comportamento dos alunos, uniformes, como os adolescentes se vestem, se divertem, gírias, música, currículo, minhas aulas de inglês. Estranharam eu dizer que vi neve aqui pela primeira vez. E tava nevando nesse dia, para minha felicidade. Eu me senti bastante confortável, afinal essa é a minha profissão e ela me trouxe até aqui. Trilingue! Máximo!
Bom, outra aula deliciosa, literalmente, foi a Global Cuisine. Lá com o auxilio de Mrs. Miller meu brigadeiro e beijinho fizeram o maior sucesso. Adorei.
Bem, o que mais me chamou a atenção, de verdade, foram as salas de aula. Muito bem decoradas, com informações de todos os jeitos. Cada professor tem sua sala que é super confortável, com TV, computadores, microondas, freezer, o que quiser. Fascinante. E claro, os laboratórios, salas de informática, emissoras de radio, a 89.9 FM, e de TV. Cópias de tarefas e textos à disposição, cada professor tem uma senha para tirar as cópias ou na própria sala de aula ou na biblioteca. Angela Seigman é a responsável pela biblioteca de Streetsboro, tanto no fundamental quanto no médio. O espaço é muito bem organizado, com muitos livros, jornais, computadores. Pelos corredores, os famosos armários. Cada aluno tem o seu. Não há merenda. A escola possui um refeitório enorme e eles podem comprar o lanche. Os professores, de vez em quando, se organizam e fazem um almoço especial. Nas paredes da escola há cartazes de eventos, trabalhos de alunos, troféus conquistados, e fotos dos melhores alunos do mês, do ano, dos que conquistaram a universidade. Valorização total. Tudo isso dá um dinamismo e não cansam os alunos. A escola é, de fato, um ambiente agradável. Eles frequentam o High School por quatro anos, são turmas de freshman, sophomore, junior e senior, primeiro, segundo terceiro e quatro anos respectivamente.
Eles fazem opção dos cursos que querem frequentar ou próprios para a escolha da carreira. Quem vai para o mundo do direito, das artes, da literatura, optam por aulas de Inglês, Artes, Estudos Sociais, etc.. Matérias obrigatórias, Ciências, Estudos Sociais e Matemática. Por isso não há turma de alunos, a cada troca de período eles vão para as aulas escolhidas.
No almoço que tivemos com o superintendente Robert Hunt, pudemos ter uma visão maior da política educacional do distrito. Todos professores têm que ter mestrado, e frequentar cursos (Professional Development) a cada quatro anos. O salário e fantástico (pensem em um professor em início de carreira ganhando aproximadamente $ 36.000!!! por mês!) É de chorar ou dar risada para não se decepcionar muito. No meu caso não contive o riso. Medida disciplinar para aluno é séria. Aluno pode ficar até um ano longe da escola. Nesse meio tempo, tem assistência e retorno garantidos (ele tem que voltar!). Para professor, então, dependendo da gravidade, ou ele muda de cidade ou procura outra profissão! Eles têm uma associação para garantir os direitos também, mas não há estabilidade de emprego. A escola pública americana segue um mesmo padrão curricular, mas, dependendo do estado, ele sofre alterações. Currículo praticamente unificado para garantir o acesso à qualquer universidade. Em SHS, cerca 70% dos alunos vão para o ensino superior. Hunt considera esse número pequeno e a meta agora é não medir esforços para elevar esse índice. Parte da verba para manter as escolas vem do governo federal, cerca de 30%. 70 % vem da comunidade. Nada mal, para um distrito que tem uma arrecadação de aproximadamente $ 45.000.000! É quase uma escola particular. Aliás, essa foi uma de minhas perguntas. A escola particular aqui tem fins religiosos e é mantida pelos pais dos alunos. Seguem o mesmo currículo e têm os mesmos recursos da pública. Mas o salário do professor nessas escolas e bem menor. Perceberam a diferença, meus caros professores brasileiros? Final do almoço e o convite para voltarmos a Ohio e mantermos sempre contato com essa excelente escola.

Acho que fechei meu estágio com chave de ouro, com muitos amigos, estudantes maravilhosos que se prepararam para me brindar com a maravilhosa performance de Sonho de uma Noite de Verão de William Shakespeare!! Que oportunidade divina. Participei dos ensaios, pouco, claro, porque eles são ótimos, técnicos. Ensaios e mais ensaios, um deles enfrentando uma neve fora de época, uma disposição incrível e a preocupação em apresentar em meu último dia de estágio. Despedida nem pensar, saí de lá como entrei, preferi assim, mas quase chorando de saber que um dia Streetsboro High School no longíquo estado de Ohio fez parte da minha vida, me trouxe experiências que jamais vou esquecer. E para esses alunos que aqui ficam o meu boa sorte em todos os sentidos. Que eles sejam bem-sucedidos, brilhantes. E com certeza serão. E prosseguir com os meus. I am ready! Tô pronta. See you Streesboro High School.
Obrigada a todos os alunos de Streetsboro High School pela produção de Sonhos de Uma Noite de Verão. Com certeza meus alunos vão retribuir esse gesto maravilhoso e inesquecível. Um agradecimento especial a aluna Arleigh que prontamente me enviou o vídeo abaixo. Nota 10!!!